terça-feira, 12 de abril de 2011

O Mestre Bastos Nunes

Bastos Nunes


Num exemplar artigo do Correio da Manha, em que mostraram a verdadeira arte do Judo Nacional, onde sentem-se as tradições e a evolução do Judo português, o empenho e determinação de um bom atleta e a inteorização dos valores do Judo.

A acção passa-se na aula das sete da manhã no Judo Clube de Portugal. O ginásio tem numa das paredes laterais espaldares e, na do fundo, janelas por onde entra uma luz que ao longo da próxima hora se intensifica. O chão está preenchido por colchões e, entre os golpes de judo, ouvem-se sucessivas projecções de corpos contra eles, antecedidas por gritos, másculos, da aplicação da força do adversário. Não seria a destreza de um homem qualquer de 73 anos que impressionaria.

Vestido com um judogi branco e cinto vermelho e branco, o mestre Bastos Nunes impõe o respeito de um 8º Dan – um dos dois praticantes com o mais alto grau em Portugal. Ensina a técnica a uma vintena de homens – o mais novo terá 45 anos e está no grupo há mais de vinte, apesar de ter sido dos últimos que se juntou. E se foi aqui – neste cenário de acção – que começou a vida do mestre, aqui prossegue mais de 50 anos depois.

“No fundo, eu fui professor de todos os judocas portugueses. Se não foram directamente meus alunos, foram-no indirectamente. Todos têm uma quota-parte do mestre Bastos Nunes e do mestre Kobayashi [que é japonês]. Eu sou o mais antigo, por isso fui professor dos professores dos judocas mais novos, ou até professor dos professores dos professores” – conta, orgulhoso, o mestre septuagenário. Mas pode também orgulhar-se de ter treinado até a alta finança portuguesa. Fernando Ulrich (presidente do BPI), Miguel Horta e Costa (presidente da Fundação Luso Brasileira e ex-CEO da PT), José Manuel Ferreira Neto (chairman do BIC) e João Salgueiro (presidente da Associação Portuguesa de Bancos).

O BOM DESPORTISTA

Filho de um proprietário de uma grande marcenaria em Sintra, que trabalhava também para a construção civil, José Manuel Bastos Nunes (nascido nesta bonita vila, no dia de N. Sra. de Fátima, em 1937) teve sempre dinheiro para praticar todos os desportos. O boxe foi o primeiro, de eleição, sob a orientação de Blarmino Fragoso. Até que, em Agosto de 1958, chegou a Portugal, para uma demonstração de judo, o mestre Ishiro Abe, que, com ele, trazia Kiyoshi Kobayashi. Bastos Nunes praticava judo há quatro anos e, em 58, quando estava na tropa, até fez a primeira demonstração desta modalidade nas Forças Armadas, no dia do juramento de bandeira. Mas foi a presença de Kobayashi, nascido em Gumm-Ken, no Japão, nove anos mais velho do que ele, que lhe causou profunda paixão pelo judo.

Nesse mesmo ano viria a ser criado o Judo Clube de Portugal, que contratou Kobayashi para ficar a ensinar no nosso País. “Eu já era cinto castanho e, em 59, passei para preto. Era aluno e praticamente assistente do mestre Kobayashi” – recorda o mestre Bastos Nunes. Juntos escreveram o livro ‘De Kyu a Dan’, editado no Japão em 1965, e criaram também a revista ‘Tele-Judo e Karaté-Do’, esta última com a colaboração do mestre Raul Cerveira. Mas, mais importante, foi a forma como a técnica de judo deste japonês – que hoje é um dos quatro mais graduados do Mundo, com o 9º Dan – revolucionou este desporto em Portugal e moldou toda a aprendizagem de Bastos Nunes.

Pelo meio subiu ao pódio das competições: oito vezes campeão nacional – uma vez absoluto e as restantes na categoria de leves; e as vezes em que não foi o melhor, ficou em segundo lugar. “Interessei-me sempre, principalmente, por desenvolver a técnica. Foram 50 anos de convívio com o mestre Kobayashi, mas eu nunca quis ir ao Japão. Todos os anos mando malta para lá, mas eu nunca vou. Não gosto de viajar de avião” – confessa.

Desde o ano a seguir à Revolução dos Cravos que João Carvalho das Neves, professor de Finanças e Controlo de Gestão no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), é aluno do mestre Bastos Nunes. Primeiro em Sintra, depois no Cacém e, agora, na aula das sete da manhã, em Lisboa. “Do ponto de vista técnico, o mestre é uma sumidade“, atesta Carvalho das Neves, 4º Dan no judo. “E, do ponto de vista humano, não tem explicação. Nele estão contidos todos os princípios que o mestre Jigoro Kano [o fundador desta arte marcial] concebeu para os judocas.” Tornaram-se amigos. Cada vez que o professor lança um livro, o mestre está lá a assistir. Até são os dois adeptos do Sporting.

RECEBEU LOUVORES DA POLÍCIA

Bastos Nunes foi professor, primeiro na Guarda Fiscal e depois na GNR, e, também, na PSP, na Escola Prática de Polícia. Foram 37 anos a servir as forças de segurança. Já com muitos louvores, reformou-se aos 70. “Fui obrigado”, remata. É a lei que o obriga. Mas ainda continua a ensinar.

“O trabalho tem sido o equilíbrio da minha vida“, justifica. Até porque o destino se encarregou de fazê-lo perder o seu bem mais precioso: a mulher. Começaram a namorar aos 19 anos – ela tinha 15 – e depois foram viver juntos. “Foi a melhor coisa que eu tive na vida. Uma grande amiga que me deu apoio em tudo.” Há sete anos, enviuvou. Continua a viver em Sintra mas, desde então, passa mais tempo nas Azenhas do Mar, numa casa que tem perto da do filho. Sempre tem a companhia dos três netos.

“Ele não gosta de estar sozinho. Vive bem no meio dos outros” – descreve Fernando Seabra, seu aluno há 30 anos e o mais novo da turma das sete da manhã. Aliás, se durante os treinos reina o silêncio e o respeito, no balneário ouvem-se gritos de euforia. Estão todos entre amigos. “Enquanto treinador, o mestre é universalmente reconhecido pela capacidade técnica ímpar que tem. Tem também o dom de dar todas as suas aulas, a alunos de qualquer idade, sempre com elevada motivação“, conclui Fernando Seabra, que além de jurista é também mestre de judo adaptado a cegos e amblíopes.

Todos os dias Bastos Nunes levanta-se às 04h45. Começa por tomar um primeiro pequeno-almoço em Sintra e, em dias de treino no Judo Clube de Portugal, chega a Lisboa às 06h30.

Gosta de ser sempre o primeiro a chegar aos compromissos. E, por outro lado, tem tempo para fazer esta caminhada ao ritmo dos seus 73 anos.

O almoço é geralmente partilhado com amigos na Adega das Azenhas, nas Azenhas do Mar. Além de dar aulas de judo – também no Judokai (Sintra) –, presta apoio à Divisão do Desporto da Câmara Municipal de Sintra – mas, frisa, é apartidário – e integra a Comissão Nacional de Graduações da Federação Portuguesa de Judo (FPJ).

A verdade é que nunca aplicou, numa situação real, as suas técnicas de judo. Sempre dentro deste espírito, treinou, além dos banqueiros, o escritor José Cardoso Pires, Carlos Andrade (ex-director da TSF), entre médicos – como Miguel Correia, o dermatologista que o operou a um tumor na cara –, advogados e outras pessoas, anónimos empregados de mesa e outros.

A PAIXÃO DA CAÇA

Todos lhe reconhecem a paixão da caça. E todos sabem que também foi pescador. António Lopes Aleixo, presidente da FPJ, é quem normalmente desafia o mestre Bastos Nunes para caçar nas suas reservas alentejanas.

“Sem dúvida que ele tem pontaria. Ainda acerta” – conta Lopes Aleixo. Na semana passada, Bastos Nunes levou para casa uma dezena de coelhos. Não é que o seu forte seja cozinhar, porque normalmente faz as refeições em restaurantes. Mas aprecia um bom prato.

“Foi o meu primeiro mestre. Há perto de 50 anos que o conheço”, diz o presidente da FPJ, para a qual o nome Bastos Nunes representa “uma grande figura do judo nacional”.

São 56 anos dedicados a esta modalidade. “Praticar judo é educar a mente a pensar rápido e com precisão. Bem como o corpo a obedecer com justeza, porque o corpo é uma arma cuja eficiência depende da precisão com que eu uso a inteligência” – explica o mestre Bastos Nunes. A sua vida tem sido inteiramente dedicada a ensinar os princípios desta arte marcial, preservado acima de tudo a relação com os outros. Costuma sempre o mestre dizer: “Sou a pessoa mais rica do Mundo. Tenho muitos amigos”.

MESTRE JAPONÊS KOBAYASHI, O ‘PAI’ DO JUDO EM PORTUGAL

No Verão de 1958, o mestre Ishiro Abe veio a Portugal, para uma demonstração de judo. Com ele vinha o japonês Kiyoshi Kobayashi. Nesse ano, foi fundado o Judo Clube de Portugal, que convidou Kobayashi para ensinar cá. Ele foi o ‘pai’ do judo no nosso País e a seu lado sempre esteve Bastos Nunes. Aos 82 anos, o japonês é 9.º Dan, um dos quatro mais graduados do Mundo.

NOTAS

56 ANOS
■O mestre Bastos Nunes começou a praticar judo em 1954. Nunca parou de o fazer nestes 56 anos.

POLÍCIAS
■Foi professor, primeiro na Guarda Fiscal, depois na GNR e na Escola Prática de Polícia. Foram 37 anos.

CAMPEÃO
■O mestre Bastos Nunes foi oito vezes campeão nacional de judo. Quando não ganhou, foi segundo.

Fonte: cmjornal





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